A Amazônia misteriosa

A Amazônia misteriosa

Gastão Cruls
Editora Saraiva, Coleção Saraiva nº 115, 1957
240 páginas
Publicado originalmente em 1925

A Amazônia misteriosa, romance do escritor carioca Gastão Cruls (1888-1959), instala-se nas profundezas da selva amazônica, um dos cenários mais interessantes da FC brasileira, que serviu de tabuleiro para diversos romances. Contudo, nenhum supera o de Cruls em detalhamento, tão farto, que o autor julgou apropriado acrescentar um Elucidário para explicar os nomes e termos usados ao longo da história.

O primeiro capítulo do romance mostra as páginas finais de um diário de viagem, no qual o autor, chamado durante toda a história apenas de Seu Doutor, narra os últimos progressos de uma expedição científica à floresta amazônica. Com ele viaja um pequeno grupo de homens especializados nos perigos de uma incursão desse tipo.

A partir do segundo capítulo, a narrativa assume um ritmo mais dinâmico, em primeira pessoa. Durante uma das expedições em busca de alimento, Seu Doutor, acompanhado dos mateiros Piauí e Pacatuba, perdem-se do grupo principal e são capturados por índios que os levam numa longa caminhada. Acometido de uma febre e em delírio, Piauí desaparece na mata, para não mais ser visto.

Os sobreviventes são levados para outra tribo, que o narrador vai logo identificar como sendo a aldeia das lendárias amazonas. Para surpresa do Seu Doutor, vivem ali alguns estrangeiros: um pesquisador alemão chamado Jacob Hartmann, que desenvolve algum tipo de pesquisa secreta, sua jovem esposa Rosina, e uns poucos homens. A índia Malila, encarregada de cuidar dos recém-chegados, acaba por desenvolver por eles uma afetividade importante. Também será significativa a figura de Rosina, que se ressente da condição de exilada na selva e do casamento infeliz com o frio cientista. Com ela, Seu Doutor vai estabelecer um relacionamento perigoso.

A princípio, a vida dos dois homens na aldeia das amazonas não é desagradável. Alimentados, bem tratados e na esperança de retornar à civilização, eles passam a explorar a aldeia, conhecendo seus costumes e suas histórias. Curioso sobre os segredos da pesquisa de Hartmann, Seu Doutor espiona o laboratório improvisado numa área reservada e fica horrorizado quando descobre ali crianças deformadas, mantidas em jaulas como animais, o que vai estabelecer os conflitos que darão termo à história.

Filho de um importante médico e cientista, Gastão Cruls foi revelado na Revista do Brasil, editada por Monteiro Lobato. A Amazônia misteriosa foi sua incursão na ficção científica e está claramente inserida na tradição do romance científico de Júlio Verne. Cruls não tentou escamotear outras influências e cita, textualmente, os romances A ilha do doutor Moreau, de H.G. Wells, e As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, no que fez muito bem. Pois, em pleno 1925, compôs de forma primorosa ambas as propostas do nascente gênero da ficção científica, unindo o relato científico de Verne à fantasia de Wells, e aproveitando ainda as ideias modernistas que estavam em ebulição na literatura brasileira.

O significado de A Amazônia misteriosa para a ficção científica brasileira é incomparável, pois o romance aglutina um leque de propostas que ainda hoje estão em debate, num romance sofisticado, literariamente acima da média. Se traduzido e lançado hoje no mercado estrangeiro, certamente atrairia a atenção, não só pelo seu caráter exótico e pela sua qualidade literária, mas porque os estrangeiros estão ávidos por esse tipo de história, que boa parte dos autores nacionais de FC&F ainda insiste em desprezar.

Cesar Silva é pesquisador e um dos editores do Almanaque da Arte Fantástica Brasileira.