Extemporâneo

Extemporâneo

Alexey Dodsworth
Editora Presságio
232 páginas
Lançado em 2016

Se há uma coisa que é difícil eu fazer é comprar livros na pré-venda. Sei lá, não vejo urgência em ter algo que não seja de primeira necessidade − e, queiramos ou não, livros não o são. Para que isso aconteça, ou eu tenho que estar esperando desesperadamente um lançamento − cof cof, Os ventos do inverno, cof cof − ou o preço da pré-venda tem que estar lá embaixo. Pois bem: com Extemporâneo não aconteceu nenhum dos dois. Então por quê, Rahmati, você comprou esse livro antes do lançamento?

Simples: porque Alexey Dodsworth se encaminha perigosamente para ser o meu autor de ficção científica nacional favorito. Só não o afirmo abertamente porque ele tem um páreo duro no Luiz Bras.

Extemporâneo conta a vida de uma pessoa como todos nós, que acordamos todo dia num corpo e numa realidade diferente. A grande diferença é que o/a protagonista se lembra disso e nós não. (Ou, ao menos, é isso o que o/a protagonista nos diz.) Mas por que eu estou usando esse o/a? Uai, eu não disse que ele/ela acorda todo dia num corpo diferente? Mas tem, ainda, um elemento complicador: não é todo dia. É sempre dia 14 de janeiro de 2015. Os dias passados e futuros são ilusões, histórias criadas − pelo seu cérebro ou não − para dar a impressão de continuidade. Pense: você sempre vive no hoje, não é? O ontem é uma lembrança − que pode não ser real −, e o amanhã é só − e sempre − uma expectativa.

Assim sendo, nosso(a) digníssimo(a) protagonista acorda, para começar o dia, no começo do livro, no corpo de George Becker, um brasileiro que vive em uma realidade onde o nazismo é a filosofia reinante no mundo, e há um homem, amarrado nu na sala de estar, sendo torturado pela namorada e por ele − ou, para ser mais exato, pelo eu em que ele acaba de cair. Como eu disse, o/a protagonista é diferente dos outros; ele/ela demora a retomar as memórias do novo corpo, e ainda está lutando, nesse início, com as memórias da dançarina espanhola de dança do ventre que era sua identidade antes de dormir.

Mas chega da história e vamos à narrativa. Dodsworth, naturalmente, a constrói com maestria. Naturalmente porque eu já esperava isso, por ter lido o excelente Dezoito de Escorpião. Os elementos da história vão sendo apresentados no ritmo certo e de maneira muito eficaz para manter o interesse e aumentar a tensão com a situação esdrúxula que o/a personagem passa. Ele escreve muito bem, também, sem usar de malabarismos para enriquecer o texto − o que, invariavelmente, acaba empobrecendo-o. Ele diz o que precisa dizer com as palavras necessárias, assim como Gaiman. A única ressalva aqui é quanto ao trabalho de revisão da editora Presságio, que deixou passar muitos (muitos mesmo!) errinhos de digitação e diagramação. (A minha cópia teve até mesmo um capítulo inteiro repetido.) Há de se ter muito mais atenção quanto a essas coisas, senhores editores e revisores.

No entanto, é claro que isso não diminui a qualidade da obra. Dei cinco de cinco estrelas no Skoob, porque de fato é isso que ela merece. Extemporâneo desconstrói preconceitos, clichês e expectativas de maneira deliciosamente perturbadora 🙂

Ah, e já ia esquecendo: quem leu o Dezoito de Escorpião vai gostar ainda mais de Extemporâneo 😀

Rodrigo Rahmati é escritor e desenhista, autor de O arquivo dos sonhos perdidos.

[ Resenha publicada originalmente nO Blog do Rahmati ]