Fractais tropicais

Nelson de Oliveira (organização)
Sesi-SP editora
496 páginas
Lançado em 2018

Quando você pensa em literatura de ficção científica, quais são as autoras e os autores que primeiro vêm à sua mente? Quantos deles são brasileiros?

Que o leitor não se envergonhe se não conhecer nenhum, ou que não lhe venha à cabeça um nome imediatamente. Afinal, a ficção científica é um gênero dominado, tanto na literatura, quanto no cinema e na televisão, por obras e produções estrangeiras. Veja o sucesso que os livros de Ursula K. Le Guin e Philip K. Dick fazem nas livrarias; ou a atenção que recebe a série Black Mirror, que possui um apelo até mesmo para os que não se interessam tanto pelo gênero.

E os brasileiros, por onde estão?

Talvez não seja de conhecimento geral, mas o Brasil é um país com uma produção riquíssima nesse gênero, especialmente na literatura, seja em romances como a distopia best-seller Não Verás País Nenhum, de Ignácio Loyola Brandão, seja nas narrativa mais curtas, como o conto e a novela. E, quanto a esse tipo de narrativa, a coletânea Fractais Tropicais: o melhor da ficção científica brasileira, lançada pela editora Sesi-SP em 2018 está aí para sanar uma injusta falta de atenção que a produção brasileira dentro do gênero recebe.

Organizada por Nelson de Oliveira, Fractais Tropicais traz contos de nada menos que trinta autoras e autores, cobrindo a produção brasileira de ficção científica desde 1960 até a data de sua publicação. A introdução detalhadíssima escrita por Oliveira faz um panorama da história do gênero no país e apresenta as classificações e definições de seus muitos subgêneros (por exemplo, o cyberpunk, a ficção científica hard, a ficção científica soft etc.), servindo como guia para os não iniciados, e uma porta de entrada provocativa para os curiosos.

“No Brasil, a verdadeira literatura marginal é a ficção científica.”

Com essas palavras, Nelson de Oliveira lança uma provocação ao leitor em seu ensaio introdutório. Os pioneiros da ficção científica brasileira podem ser encontrados já no século XIX, influenciados largamente pelas obras de H.G. Wells e Julio Verne, mas é nos anos 1960 que o gênero passa a florescer de verdade, mesmo que ignorado pelo grande público e pelos acadêmicos.

Desde então, a ficção científica brasileira se diversificou tanto que a coletânea divide essa produção em três períodos diferentes, chamados de ondas: a primeira onda abarca a produção de 1960 a 1980. A segunda onda vai de 1980 até a virada do milênio, e a terceira onda engloba toda a produção dos últimos vinte e tantos anos.

Um detalhe que torna a coletânea ainda mais interessante é a forma em que traz essas ondas, apresentando-as em ordem cronológica reversa. Isso é, iniciando na terceira e indo em direção à primeira. O efeito causado no leitor que lê os contos em ordem é uma espécie de túnel do tempo da ficção científica brasileira. Isso nos permite observar as mudanças que vêm ocorrendo na produção textual dentro do gênero.

As mudanças mais expressivas são a quantidade de autoras e autores escrevendo ficção científica e a diversificação de temas abordados. Por exemplo, a primeira onda traz apenas cinco contos, sendo apenas um deles (A Ficcionista, uma narrativa sobre inteligências artificiais e o poder da memória), escrito por uma mulher: Dinah Silveira de Queiroz. Um dos contos, O Elo Perdido, é de autoria de Jeronymo Monteiro, considerado o pai da ficção científica brasileira.

A segunda onda mostra uma explosão temática nas narrativas. Os subgêneros que, na introdução do livro, aparecem hermeticamente classificados numa tabela, começam a se misturar, gerando obras muito originais como Acúmulo de Skinnot em Megamerc, de Ivan Carlos Regina, que apresenta uma sociedade consumida por um imenso shopping center. Ou Visitante, de Carlos Orsi, que começa seguindo padrões de histórias pós-apocalípticas de alienígenas, apenas para dar uma volta e trazer elementos de histórias fantásticas. Essa mistura de gêneros é conhecida como new weird.

Nessa segunda onda, novamente, apenas uma autora chega a ser mencionada: Finisia Fideli, com suas histórias de visitas extraterrestres (Estrela Marinha no Céu) e de realidades paralelas (As Múltiplas Existências de Áries).

A terceira onda, por sua vez, mostra o estado atual da ficção científica brasileira, com uma explosão do reconhecimento de autoras e de novas experimentações das formas narrativas. Isso faz com que o presente talvez seja a melhor época para a produção nacional.

Além do Invisível, de Cristina Lantis, por exemplo, é uma belíssima história de amor e de realidade virtual, explorando discussões de gênero de forma muito mais bela e contundente do que, por exemplo, a quinta temporada de Black Mirror conseguiu fazer. A Última Árvore, de Luiz Bras, é uma narrativa sarcástica, com um humor corrosivo, que critica ao mesmo tempo as mudanças climáticas e a desigualdade social.

Além disso, a análise das ondas também mostra como se diversificaram as formas de publicação do gênero. Enquanto a literatura da primeira e da segunda onda era amplamente difundida através de livros físicos, edições do autor etc., a virada do século XXI e o advento da internet fizeram aparecer novas revistas especializadas na literatura especulativa, como as revistas Trasgo e Mafagafo, e permitiram a publicação em blogs e e-books. Isso deu vida nova (e trouxe caras novas) à ficção científica brasileira, que, como os exemplos que temos reunidos em Fractais Tropicais mostram, é tão diversa e rica quanto qualquer outro gênero da literatura brasileira.

Essa é uma coletânea de grande importância para o momento atual, em que as expressões artísticas nacionais estão sendo desvalorizadas em detrimento de produções estrangeiras. Assim como uma máquina que permite enxergar outras dimensões, Fractais Tropicais traz aos leitores incautos uma nova perspectiva sobre a literatura produzida em nosso país, mostrando todo um mundo vivo e pulsante de expressão e imaginação. Vale à pena a leitura.

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Ivan Nery Cardoso é escritor e tradutor, autor da coletânea de contos Cães noturnos, em processo de publicação. [ Resenha publicada originalmente no portal Porco Espinho. ]

Fanfic

Braulio Tavares
Patuá Editora
168 páginas
Lançado em 2019

Toda literatura nasce tanto da vida quanto da própria literatura, de modo que não acho que esteja exagerando quando chamo de fanfic esse conjunto de contos escritos como resultado da leitura de histórias alheias.

É dessa forma que o escritor Braulio Tavares recebe o leitor em sua mais recente coletânea de contos, Fanfic.  O termo fanfic é uma abreviação de fan fiction, que são histórias escritas por fãs utilizando personagens e lugares de histórias já existentes. Tavares usa o termo, aqui, para designar a influência que outras obras da literatura tiveram na escrita de seus contos. Porém, ao ler as vinte e duas narrativas que compõem o livro, a impressão que fica é que são menos uma fanfic e mais uma homenagem, ou paródia.

Isso é muito evidente no conto curto que abre a coletânea: Finegão Zuêra. Aqui, Bráulio Tavares recria o estilo experimental de James Joyce em Finnegan’s Wake (1939). Nele, Joyce se utilizou largamente de neologismos, fusão de palavras, fluxos de consciência e períodos longuíssimos, para buscar uma multitude de significados e interpretações. Não à toa, é considerada uma das narrativas mais difíceis de ser traduzida na história da literatura.

O que Bráulio Tavares faz aqui parece ser uma homenagem, criando um conto curto em que descreve o quarto de um tal Trupizupe utilizando as mesmas técnicas de Joyce:

(…) ali naquele quarto que de dia cheirava a bicho morto e de noite cheirava a bicho vivo, inabitável e não-repartível como o próprio Trupizupe, indevassável e invisível como a casinha de Snoopy, quártico que malcheirava como o diabo, como o Cão, como um cão, como um canil, como um canino com cárie até o canal, como o dente mais ruim da arcada mais ruína de toda a Boca do Lixo!

Porém, esse conto não é nada como os outros vinte e um de Fanfic. Até, na verdade, podemos dizer que nenhum dos contos deste livro é igual aos outros, dada a originalidade de temas, situações e estilos pelos quais o autor transita de uma narrativa para a próxima. Haxan, por exemplo, é um conto longo que imagina um futuro distópico em que hologramas se tornaram realistas a ponto de influenciarem o mundo à sua volta, enquanto Concerto Noturno acompanha um desconhecido pianista durante uma caminhada, bêbado, em uma cidade sem nome do leste europeu. O conto mais longo do livro, O Molusco e o Transatlântico, é uma estranha space opera que também apareceu na coletânea Fractais Tropicais (2018).

Há apenas um fator que une todas as histórias de Fanfic: a disposição ao insólito. Por mais realista ou introspectiva que a narração de alguns contos possa parecer a princípio, o leitor pode ter certeza que em algum momento ela irá invadir o (ou ser invadida pelo) universo do fantástico e da ficção especulativa. E não é à toa: Braulio Tavares é uma das grandes autoridades nacionais na produção e pesquisa da ficção fantástica e da ficção científica. Além de já ter outros livros de contos, poemas, e um romance publicados, mantém grande parte de sua produção no blog Mundo Fantasmo, e participou da Flip de 2019, na mesa Santo Antônio da Glória, junto da escritora argentina Mariana Enriquez.

Apesar de contar com narrativas de diferentes tamanhos (todas excelentes), a escrita de Bráulio Tavares, nesta coletânea, parece brilhar com muito mais força nas narrativas mais curtas. Nelas, devido à concisão e ao recorte escolhido pelo autor, o fantástico se deixa apenas entrever na história, e as lacunas propositais são preenchidas pela imaginação do leitor (terreno fértil para tudo que foge à realidade).

É o caso, por exemplo, de O Polvo, em que um cefalópode se encontra no meio de acontecimentos insólitos em um laboratório inglês de biologia marinha. O mesmo vale para Vale da Maldição, em que uma sociedade tribal se depara com um estranho objeto metálico de grande poder. E, em um dos contos mais originais e divertidos, Sete Ovnis, em que nos apresenta uma lista de sete encontros de diferentes pessoas com os tais objetos voadores. A homenagem, aqui, parece ser às obras cômicas de Douglas Adams, pois a graça fica por conta da reação de alguns desses personagens durante esses encontros:

Terzio Pastore, 61 anos, Ravena, passou mais de dez anos frequentando uma colina próxima à fazenda onde vivia, colina esta que se dizia ser frequentada por extraterrestres, e a única coisa estranha que viu em todo esse tempo foi uma gigantesca forma metálica quadrada, maior que a colina, elevando-se ao céu por trás dela, mas como não correspondia à forma de um disco ele decidiu não levar em consideração, e nada publicou.

Bráulio Tavares tem atuado há quase trinta anos no campo da ficção fantástica e ficção científica, e sua bagagem literária se mostra com toda força neste Fanfic por meio das influências e das homenagens. Porém, acredito, sua influência e sua prosa têm tanta força e originalidade que outras fanfics também aparecerão (se é que já não apareceram) no panorama da ficção especulativa brasileira, prestando homenagem às suas obras.

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Ivan Nery Cardoso é escritor e tradutor, autor da coletânea de contos Cães noturnos, em processo de publicação.

[ Resenha publicada originalmente no portal Porco Espinho. ]

Movimento 78

Flávio Izhaki
Editora Companhia das Letras
184 páginas
Lançado em 2022

O que surpreende neste mais recente lançamento de Flávio Izhaki é o invejável virtuosismo literário com que soube conduzir as vozes de diferentes gerações do seu protagonista com saltos temporais entre passado, presente e futuro – não necessariamente nesta ordem – em um convincente e consistente romance distópico no qual aborda um tema já clássico no gênero: as consequências da nossa crescente dependência tecnológica e do uso indiscriminado da inteligência artificial. Apesar da ambiciosa estrutura não linear no tempo e da diversidade estilística, o autor consegue manter o ritmo narrativo e o interesse do leitor do início até o final.

Sendo assim, cada capítulo é imprevisível, tanto na forma quanto no conteúdo, e podemos presenciar um acirrado debate eleitoral entre Seiji Kubo – talvez o último candidato humano da História – e Thomas Beethoven, um holograma gerado por inteligência artificial, no final do século XXI; acompanhar os detalhes de uma série de exames médicos que o seu pai, em 2019, é forçado a realizar pela empresa na qual trabalhava ou, até mesmo, nos descobrir escondidos em um armário, junto a um antepassado de Kubo ainda mais distante, perseguido pelo exército russo na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial, para citar somente algumas passagens.

No presente, Kubo (pai) é chantageado pela empresa na qual trabalha para participar de um tratamento experimental que pretende combater um câncer ainda não existente, mas com as células da doença já potencialmente espalhadas pelo seu corpo, segundo o resultado de um exame de sangue protocolar. Ele recebe do médico então um prospecto com a descrição “limpa, ascética, infantil” do novo tratamento patenteado que promete agir contra as células doentes antes que elas atinjam o seu poder de destruição, um procedimento “sem médicos, apenas computadores abrindo, manipulando, consertando seu corpo ainda não doente”.

Sentar à mesma mesa de sempre nem foi tão mal assim. Ele precisava da ideia de um dia normal e não dos novos vizinhos de andar inquirindo sobre a presença dele ali em uma mesa com vista. Mas Kubo sabia que aquele não era um dia normal. E sabia de outras coisas também, a mais importante delas sendo que no futuro estaria propenso a ter um câncer, oitenta e dois por cento propenso. E o que não sabia era o que fazer com aquela informação, como dividir aquela notícia com a mulher, como dar comida para o bebê que não era mais bebê sabendo agora o que não sabia dois dias antes. / Havia também a questão da empresa, uma clara chantagem em usá-lo como cobaia de um serviço que ainda estavam aprimorando, mas que vendiam em um prospecto como uma certeza. Certeza, essa palavrinha. E o serviço era colocar-se à disposição para um tratamento experimental, conduzido por computadores, que manipulariam seu corpo com ele apagado para consertá-lo. Consertá-lo, sim, ele pensou, a palavra exata para eles é essa. Não curá-lo, mas consertá-lo de um problema. Só que ele ainda não tinha o problema, e nem confiava cem por cento, nem mesmo oitenta e dois por cento, na eficácia do que aquele prospecto vendia como certeza. (página 37)

O Go é o jogo de tabuleiro mais antigo do mundo, rival do xadrez em termos de cálculo e estratégia. Gary Kasparov foi o primeiro Grande Mestre a perder uma partida de xadrez para um computador, o Deep Blue da IBM, em 1997. No romance, o capítulo A última vitória é inspirado no documentário AlphaGo, de Greg Kohs, sobre um match de cinco partidas de Go das quais o convidado, o campeão sul-coreano Lee Sedol, venceu apenas a quarta da série contra o programa desenvolvido pela Google DeepMind. O movimento de número 78 é decisivo nesta única e última partida vencida por um jogador humano contra uma inteligência artificial.

De fato, do movimento 78 em diante, a máquina passou a jogar de modo errático, se é que é possível usar essa expressão para as ações de uma inteligência artificial. Mesmo Lee Sedol logo percebe e ainda tenta brigar consigo mesmo em sua dúvida. Os movimentos passam a ser tão inexplicáveis que o sul-coreano vê que a vitória se aproxima, mas ainda se questiona se perdeu algo pelo caminho e vai ser derrubado. Ele segue jogando e a máquina faz um movimento ainda mais estranho, tão diferente que Sedol olha para o tabuleiro, depois para a tela, para ter certeza de que não foi o engenheiro que colocou a peça no lugar errado. Mas não foi. A máquina simplesmente sabe que perdeu e tenta, desesperadamente, fazer jogadas aleatórias para forçar um erro maior de desconcentração de Sedol. Mas o sul-coreano não erra e, poucas jogadas depois, a máquina desiste. É a primeira vitória humana sobre uma inteligência artificial num jogo de Go. E seria a última vez que um ser humano conseguiria tal feito. (página 85)

O forte capítulo A Lâmina é praticamente independente do romance e poderia ter sido publicado sem prejuízo como um conto. O candidato humano em debate contra o representante da inteligência artificial, no final do século XXI, conta como o seu tataravô, polonês, sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, utilizando o fato como um argumento de que a máquina não tem passado ou família: “Mas eu pergunto, caro candidato Beethoven, de nome tão célebre, por sinal, qual é o #mitofundador da sua família? Será que pode contar alguma coisa? De repente quem te programou… Ou quando nasceu – e fez o sinal de aspas com as mãos. – O que você faz quando não está aqui? Para onde vai, com quem conversa? Como conversa? O que acontecerá com você quando perder essa eleição? Será desligado?”

Poderia ter morrido, pensa. O coração bate acelerado, as veias do pescoço pulsam nervosas. Ele está tão tenso que teme desfalecer, mas apenas anda de lá para cá dentro de um cubículo escuro que não tem um metro de largura ou comprimento. De fato não anda, quica. Escuta o barulho de uma porta sendo esmurrada. Vão achá-lo. Uma voz em russo berra qualquer coisa. Ele não entende quase nada de russo, mas sabe reconhecer a língua. A mulher responde em polonês, baixinho. É a língua dele, mas os sons não formam palavras, apenas murmúrio. O russo, não. É um tom grave e mesmo sem entender ele sabe o que é: estão atrás dele, viram-no entrar ali. A voz aumenta de tom. Ele não quica mais, congelado, o único som que escuta é o do coração batendo forte demais, tum-tum, tum-tum, vibrando na orelha. Ele está num quarto, lembra-se apenas disso, de  quando entrou no apartamento de andar térreo e a mulher disse “se esconda ali”, e ali era apenas uma cama de viúva ou um armário. Escolheu o armário. A cama é arrastada. Vai ser agora. Vão achá-lo. Mas de repente mais um berro em russo e o silêncio posterior. (página 140)

Um livro recomendado e que já tem lugar garantido entre os melhores lançamentos do ano. Deixo com vocês a introdução de Antônio Xerxenesky, outro grande prosador contemporâneo, que conseguiu resumir muito bem o tema central do romance: “O que Izhaki faz, com precisão narrativa e pluralidade estilística, é nos recordar que a tecnologia nunca é neutra, por mais que seja vendida como tal. Temos como pensar criticamente essa locomotiva do progresso quando tantas partes de nossa vida já se fundiram com o algoritmo das grandes empresas?”

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Alexandre Kovacs é um engenheiro que adora ler e acumular livros. Suas resenhas podem ser conferidas no Mundo de K.

Outros Brasis da ficção científica

Davenir Viganon (organização)
Editora Caligo
204 páginas
Lançado em 2021

Tanto a FC quanto o Brasil são difíceis de definir, mas quando os vemos sabemos o que são. Ao mesmo tempo é necessário oferecer novas experiências ao leitor desse gênero: experiências brasileiras. É preciso não se prender a convenções enraizadas. Podemos buscar novas visões de mundo, buscar elementos regionais de Brasis distantes. Podemos expandir nossas formas de escrita, novas linguagens, que são exploradas por outros gêneros há bastante tempo. Todas essas inovações já estão aparecendo na FC brasileira e temos uma pequena amostra delas nos contos selecionados aqui. [Trecho do prefácio]

Em meados de 2021, a coletânea de contos Outros Brasis da ficção científica chegou como uma grata surpresa na literatura de ficção científica nacional. Enquanto o país atravessava o pior momento da pandemia de Covid-19, o livro organizado por Davenir Viganon achou caminhos para tocar os leitores, apresentando-lhes diferentes cenários brasileiros ou abrasileirados, diversos perfis sociais e uma grande diversidade de temas. Tudo isso em uma obra de apenas duzentas páginas.

Composta por catorze contos, sendo seis de autores convidados, sete de autores selecionados e um do próprio organizador, há narrativas de todos os tamanhos e gostos. A obra apresenta uma boa dose de crítica política, algumas vezes se relacionando com o momento de crise sanitária e a polarização que o Brasil vive nos últimos anos. Mas a coletânea também dialoga muito bem com naves espaciais, o planeta Marte, órgãos artificiais, plantas conscientes, distopia, sexualidade e muito mais. É nessa mistura de sabores que o livro consegue representar nosso país, que é plural em todos os sentidos.

Além de extrapolar a atualidade para nos trazer boa literatura, os contos, em sua maioria, também revelam os novos caminhos da ficção científica nacional, expondo as preocupações e os valores de autores que buscam narrativas cada vez menos engessadas, cada vez menos obedientes a padrões. Além disso, também há espaço para o cômico, um traço bastante comum em nossa literatura, e que permeia várias das histórias de Outros Brasis da ficção científica, oferecendo uma leitura bem à brasileira, sem jamais se esquecer das questões tecnológicas.

 A coletânea conta com alguns bons e conhecidos nomes, como Fábio Fernandes, Claudia Dugim e Gilson Cunha. Também apresenta alguns autores mais recentes, que vêm se destacando e conquistando espaço nas prateleiras, a exemplo de Lu Ain-Zaila e Ricardo Celestino. Não poderia deixar de citar, é claro, o inenarrável Luiz Bras, também entre os autores convidados. Mas o que mais me surpreendeu durante a leitura foi a ousadia dos sete autores selecionados ao explorar novos temas e estilos.

É incrível notar como todas as histórias são estruturadas com o sentimento de brasilidade, seja em elementos maiores ou menores, mas que causam facilmente a sensação de familiaridade nos leitores, seja nas atitudes dos personagens e nas situações que vivem, ou em como certos aspectos influenciam todas as coisas, por exemplo, a complicada política de nosso país. Talvez a melhor descrição desse aspecto esteja nas palavras do próprio organizador: “Por uma FC brasileira que transpire Brasil”.

Outros Brasis da Ficção Científica é a estreia de um novo selo dentro da Editora Caligo. O trabalho de edição foi altamente competente, tanto nas escolhas dos autores pelo organizador, Davenir Viganon, quanto pelo trabalho de edição da equipe capitaneada pela editora Bia Machado. Sem falar da belíssima ilustração de capa selecionada pelo designer Pedro Viana.

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Nelson Freiria é resenhista e publica regularmente no blog Cyber Cultura BR.

Coleção Stelo Binara

Coleção Stelo Binara
Artur Matuck
Kadmonvort, Habitante do Terceiro Planeta (volume 1)
Ataris Vort no Planeta Megga (volume 2)
Iompostioma Eksperimento de Criogenia (volume 3)
Editora Escuta
72 páginas, cada volume Lançada em 2014

  • Quase desconhecida até mesmo entre os escritores brasileiros de ficção científica, a Coleção Stelo Binara, de Artur Matuck, é uma obra desafiadora, insólita, totalmente fora da curva. Ora em versos ora em prosa, as peças curtas que compõem os três volumes convidam os leitores a uma jornada fantástica, cheia de referências míticas, místicas e científicas. Assim que eu conseguir me recompor dessa experiência de altíssimo impacto estético, publicarei no blogue uma breve resenha da trilogia. Por ora, apreciem o prefácio de Artur Matuck para Kadmonvort, Habitante do Terceiro Planeta (volume 1 da coleção). E corram atrás dos três volumes, na Estante Virtual.

P r e f á c i o

Pressinto que, de certa forma, todos os textos que compõem esta coleção vêm de experiências mediúnicas, talvez espirituais, do contato com outras dimensões da realidade. Essas narrativas não seriam, portanto, apenas ficcionais; representam, ao contrário, um registro documental se aceitarmos uma expansão para além do físico do conceito de realidade. Elas revelariam uma dimensão do ser-mundo que muitos de nós experienciam mesmo sem consciência imediata. Imagino que não apenas recebi os relatos, mas vivenciei as cenas, encontrei personagens e vivenciei lugares do imaginal.

Kadmonvort, o poema que abre o volume, foi redigido em 1983 para apresentar uma síntese de minha obra de ficção científica poética. Kadmon vem de Adam Kadmon, do hebraico, da tradição judaica, significando o Homem Primordial. Ataris Vort é meu alter-ego no universo da ficção científica. Nesta palavra única se juntam as duas esferas, e Kadmonvort surge como um personagem de um passado mitológico, projetado em um futuro imaginário, sugerindo uma identidade própria, vivenciando um tempo em recírculo.

Na medida em que a escrita se instaurava, uma certa pulsão escritural fez com que o texto se distanciasse de seu projeto original. Tornou-se também uma celebração do poder esotérico do ritual, do elemento fogo e da língua estrangeira.

A frase “o temor da magia ou o terror diante da ciência institucional” sugere uma possível direção interpretativa. A expressão implicaria uma indagação epistemológica sobre os métodos de conhecer e intervir na realidade. Este poema, bem como toda a obra poético-literária que produzi, inclina-se para a denúncia da ciência pretensamente racional, mas que não vacila em controlar e dominar animais e homens em sacrifícios muitas vezes hediondos.

Kadmonvort, por outro lado, sugere que métodos mágicos e ritualísticos podem trazer conhecimento, operar mudanças e instituir positividades de maneira tão ou mais eficiente do que o fazem a ciência e a tecnologia contemporâneas. Uma proposição de caráter mágico, atualizada por meio de ritos com o fogo e a luz, mas especialmente através de palavras recitadas, poderia produzir consciência espiritual, conexão com o sagrado ou energia transformadora. O próprio poema seria ele mesmo uma forma de celebração ritual de um projeto estético-político de recriação de realidades.

Alpha Persona, cuja primeira versão data de 1976, é um dos textos mais antigos desta coleção. O poema se inicia com a palavra célula-eu, e busca, de certo modo, revelar o surgimento do ser num determinado planeta, investigar como uma célula de consciência se relaciona com o espaço planetário, com energias visíveis e invisíveis que povoam as paisagens; como a mente se estrutura quando começa a habitar um corpo e a conhecer seu ambiente.

A reflexão se direciona também para a linguagem. O poema introduz essa ideia-chave de que o ser humano, quando realiza uma viagem espacial, estaria também realizando uma viagem linguística. Na medida em que se distancia da Terra e de seus semelhantes, suas palavras vão perdendo o sentido – “Enquanto se afasta de seu lugar nativo, Alpha Personagem, navegante solitário do universo, vê esmorecer sua memória, sua linguagem desmorona…”.

O texto termina com doze palavras isoladas numa forma sintática arquitetural, propositando a necessidade de uma sólida estrutura para a sustentação da célula-eu, seja num planeta ou numa trajetória.

O poema Ritual de Transmutação descreve uma cena que se repetia espontaneamente em minha mente durante a década de 1990. Era uma visão de uma cidade muito antiga. Eu era um ancião, caminhava muito até chegar diante da porta de uma casa onde havia uma inscrição, como muitas casas judias possuem. A inscrição provavelmente representa a mezuzá, um pergaminho com textos bíblicos, guardado num estojo e colocado no lado direito das portas das moradias de judeus. A palavra mezuzá significa umbral, em hebraico.

Durante a prática da reversão mnemônica, decido abrir a porta daquela habitação e vivenciar o que se encontrava além. Surge uma escada que subo lentamente, e me deparo com uma biblioteca localizada no interior de uma cúpula circular de vidro. A cena que vivenciei tornou-se este poema, redigido em 1998. Ao reler, sinto uma certa irradiação permeando meu espírito. Um pacto é instituído entre este senhor, que sou eu, que no final da vida contempla sua biblioteca, ciente de sua morte próxima, e uma entidade angelical, mallach, Adam Kadmon. O ancião se propõe a fazer um pedido a este personagem espiritual para que, em sua próxima encarnação, possa ainda ter acesso ao conhecimento adquirido nesta sua existência.

Ao rever o texto, em 2013, surgiu a proposta de ele incorporar o conceito de literatura interlinguística. Deste modo, palavras da língua hebraica foram adicionadas ao texto original em português.

O poema em prosa Terra Emergida surgiu da reunião de três textos redigidos em épocas distintas: Jaguar em Chichén Itzá, de 2004, Mensageiro em Terra Emergida, de 2010, e Memória de um Sacrifício, de 2012. Os três textos têm como lugar-comum a sociedade pré-colombiana do México, a cultura dos astecas e dos maias, e derivam de minhas visitas, especialmente à península de Yucatán.

Na primeira viagem, em 1985, pude conhecer Chichén Itzá, a cidade preservada e reconstruída, onde habitavam os sacerdotes astrônomos maias. Na segunda visita, em 2010, conheci os cenotes, lagos profundos, e as grutas interligadas por canais subterrâneos, que os maias identificaram com o submundo. Em algum momento devo ter decidido que buscaria pesquisar a cultura da península de Yucatán por meios não tradicionais, pela intuição, pela literatura imaginativa.

O primeiro poema, Jaguar em  Chichén Itzá, de 2004, também resultou de uma introvisão de eventos remotos. Eu era um foragido, deveria caminhar sozinho através de matas e regiões desabitadas, em busca de uma nova vida, de uma reconexão com uma comunidade, com o mundo, comigo mesmo. Nesse percurso, acabo conhecendo uma jaguar fêmea e estabelecendo uma relação interespécies.

O segundo poema, Memória de um Sacrifício, surgiu de uma reportagem da Revista de Antropologia do México, que relatava os sacrifícios que se faziam com crianças e jovens em benefício de Tlaloc, o deus maia da chuva. Os maias acreditavam que os sacrifícios humanos eram necessários para que as águas mantidas pelos deuses, no interior das montanhas, fossem transformadas em chuvas necessárias para o crescimento do milho e sustento das comunidades. Os adultos conduziam então os mais jovens num percurso ao longo do qual estes choravam por seu próprio destino.

O terceiro e último texto, Mensageiro em Terra Emergida, surgiu espontaneamente, durante uma nítida visão em 2010, numa noite na península. No momento em que me tornei consciente da aparição, me propus a escrever detalhando a aproximação de um sacerdote vestindo um traje verde e se materializando diante de mim. Ele se dirige a mim para relatar que os antigos habitantes, após terem se desligado dos corpos materiais, estariam, agora, habitando os mundos subterrâneos, mas se encontravam ansiosos por subirem e encontrarem a luz e o calor do sol na superfície. Apenas o sacerdote podia ascender para se comunicar.

Na revisão textual, decidi que a tradição cultural referida no poema deveria também estar presente no nível das palavras, seguindo a proposição de uma literatura interlinguística. Pesquisei um dicionário náuatle e localizei as palavras, mais relevantes para o poema, do vocabulário falado pelos maias na península de Yucatán. Sinto-me sempre motivado a procurar novas palavras que possam sugerir de modo preciso a experiência que tive ou imaginei como um companheiro de uma jaguar fêmea, como jovem sacrificado ao deus Tlaloc ou como interlocutor de um sacerdote ou divindade, que fala em nome de espíritos que buscam alcançar a superfície em Yucatán.

Esta proposição estético-literária na forma de um impulso escritural para uma literatura interlinguística tem surgido com muita intensidade desde que comecei a escrever, também em inglês, nos Estados Unidos, no final da década de 1970. No Brasil, a partir da década de 1980, os textos começaram a extrapolar os limites da língua portuguesa, revelando uma necessidade de experimentação intercultural.

A mistura entre idiomas pode também representar uma metáfora da intersecção entre realidades. Cada língua implica um instrumento de instauração de uma realidade particular para seus falantes. Por isso, uma literatura interlinguística indicaria uma possível literatura interdimensional.

Colapso Solar narra a paisagem subjetiva de uma astrofísica despertada em seu laboratório pelo anúncio da morte do Sol. Os computadores, atuando autonomamente, captam informações, realizam cálculos e emitem uma mensagem de alerta: “O Sol está morrendo!”

Nesta cena, a comunicação interlinguística ocorre entre máquinas e seres humanos. A mensagem conduz a personagem a uma crise existencial, levantando uma questão sobre o espaço possível da subjetividade na ciência. Normalmente, os cientistas, mesmo que por vezes trabalhando sozinhos, têm um compromisso de se manterem objetivos ao raciocinarem com os dados registrados por seus instrumentos. Neste caso, no entanto, a personagem cientista sente-se tocada por um fenômeno cósmico e deixa transbordar sua subjetividade e poeticidade. Há ainda a questão das distâncias escalares na medida do tempo. O Sol desaparece em uma temporalidade macroescalar muito maior do que aquela do ser humano. Instaura-se, no campo ficcional, uma conexão pelo intertempo.

As cenas no laboratório, as interações entre a inteligência artificial e a pesquisadora sensibilizada pelo supradimensional, são observadas por um escritor e um interlocutor que o indaga sobre a personagem que criou. A cena institui uma relação entre o imaginário e a instância do autor, que se torna também um personagem ficcional.

Esses textos me trazem uma ideia poética de sonho, de viagem cósmica, de conjunção de dimensões, de transição entre o micro e o macrocosmo. Regozijo-me com a possibilidade de vivenciar uma paisagem onírica, dimensões distantes no tempo ou no espaço, mas intensamente relevantes para nossa época.

Artur Matuck [Ataris Verkisto]
São Paulo, redigido em janeiro de 2014, revisado em Julho de 2022.

Artur Matuck é escritor, artista plástico, professor, pesquisador, diretor de vídeo, performer, produtor de eventos de telearte e, mais recentemente, filósofo da comunicação contemporânea e organizador de simpósios internacionais.

Sozinho no deserto extremo

Luiz Bras
Editora Prumo
320 páginas
Lançado em 2012

É o fim do mundo

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
T. S. Eliot, em Os homens ocos

Lembra daquele maluco na esquina com um cartaz anunciando que o fim do mundo está próximo? Eu nunca vi um, na verdade. Mas muitas vezes encontro as mensagens com o anúncio fatal na caixa do correio. Há anos não recebo uma carta, mas essas mensagens e propagandas de telepizza continuam, fiéis como o mau hálito, como dizia Fontanarosa.

Entre os anúncios de fim de mundo, os mais chatos são os religiosos, acho. Varia a religião, o fim nunca, nem as pechinchas que oferecem pra vida após a morte, nem o ouro necessário pra amenizar a vida do lado de cá dos profetas. O homem peca, Deus pune. Estamos nas mãos de uma espécie de síndico meio surtado, não só pelas festinhas fora de hora. Um prozac diário poderia evitar, ou pelo menos amenizar, o fim do mundo.

A ficção científica deitou, rolou e abusou da ameaça nuclear e da culpa comunista. Numa enxurrada de mesmices, houve um caso raro de fantasia onanista: Robert A. Heinlein arruma uma guerra atômica pra que seu herói, um bom patriota da guerra fria, isto é, paranoico ao cubo, fique sozinho no mundo com a noiva do filho, no abrigo que construiu. Mas, claro, também houve alguns belos livros. Meus preferidos são, nesta ordem: O caçador de androides (Francisco Alves, 1980), de Philip K. Dick; Um cântico para Leibowitz (Melhoramentos, 1982), de Walter M. Miller Jr.; O mundo dos túmulos (Edição “Livros do Brasil” Lisboa, sem data), de Clifford D. Simak; e A última esperança da Terra (Francisco Alves, 1984), de Richard Matheson. Há outros menos votados, mas deixe pra lá.

O ponto comum entre esses livros é que Deus não meteu o bedelho. O fim é consequência da ação do rei da criação: sua ganância, sua estupidez, sua irracionalidade. Não dá pra dizer que não tem lógica, dá?

Todos eles são famosos, menos o de Clifford D. Simak – injustamente, apesar do talento de Simak não estar à altura da ideia, uma sacada que deixou Ray Bradbury chupando o dedo, e a mim também, confesso. Por isso, umas palavrinhas: o planeta Terra é um cemitério com a grama cortada milimetricamente. Houve uma guerra devastadora e as pessoas fugiram para o espaço. Mas muitas, com saudade, pagam para ser enterradas aqui. Há perigo para os coveiros: as máquinas de destruição ainda estão em órbita e com pontaria certeira.

Agora, que tal um apocalipse sem motivo? Conheço apenas um caso: Sozinho no deserto extremo, de Luiz Bras. Um dia o mundo amanhece vazio, fora uma meia dúzia de pessoas, nenhuma parente de Noé, começando pelo personagem central, um publicitário imaturo, confuso, ressentido, desonesto. Não há uma razão moral para o que ocorreu. Nem se trata de uma fantasia escapista, do tipo resolver os problemas ecológicos ou ficar com um harém de vizinhas gostosas – o inferno continua, com outra cara, mas igual. Se não se sabe por que, nem como, o fim se iguala ao surgimento do mundo. Durma-se com um silêncio desses.

Este é o ponto, se não comi mosca entre os fatos e os delírios narrados, às vezes indistinguíveis. A realidade não parece ser o forte do publicitário, do que o autor pode ter se aproveitado. Enfim, se é isso mesmo, Luiz Bras dobrou a aposta. Cabe a novos autores de ficção científica aceitarem o jogo.

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Ernani Ssó é escritor e tradutor, com mais de quinze livros publicados, para o público infantil e adulto. Recebeu o Prêmio Cyro Martins de Melhor Romance de 1996, com O emblema da sombra. Em 2012, traduziu o Dom Quixote, de Cervantes, para a Companhia das Letras.

Farofa high-tech com pimenta

Sonia Nabarrete
Desconcertos Editora
100 páginas
Lançado em 2022

Esse é um romance que mistura futurismo, humor ácido, erotismo e principalmente crítica social. Desde a sua estreia, com o romance Abusada, pela editora Feminas, Sonia Nabarrete é reconhecida por sua escrita marcada pelo erotismo do ponto de vista feminino e feminista, com altas doses de irreverência e sátira.

Diferentemente dos livros de ficção científica que eu costumo ler – em geral, space operas –, em que há muita ação e batalhas entre heróis-heroínas e vilões-vilãs, em Farofa high-tech com pimenta prevalecem a crise de identidade, o humor ácido e o erotismo. Digamos que essas também são armas numa batalha íntima, numa aventura existencial. A trama se passa no futuro, mas num futuro brasileiro bem tropical, regado a sexo, futebol, cerveja e muita farofa com pimenta: as paixões nacionais.

O romance é dividido em duas partes: I – Gol Contra e II – Tudo evoluiu, menos nós. Nesse futuro “além da imaginação”, a ciência e a tecnologia fizeram muitos progressos, incentivadas principalmente pelos ricaços corruptos, misóginos, racistas, xenófobos e até pelo governo. Dessa forma, foi criada a Para Sempre, uma empresa brasuca que faz transplantes cerebrais, permitindo, a quem puder pagar, viver quase que “para sempre”.

Detalhe: em 2154, o Brasil enfrenta novamente a Alemanha na Copa do Mundo, e é claro que a população ainda não esqueceu a derrota vergonhosa de 2014, o famoso sete a um.

Os problemas começam na tal empresa Para Sempre, especializada em transplante de cérebros. Essa empresa é a única a não dispensar os funcionários para assistir ao jogo, então uma tela gigante é instalada nas dependências da instituição. Assim tem início a tragicomédia: as equipes cirúrgicas, distraídas com o jogo, acabam cometendo erros crassos. No final, há um troca-troca equivocado de cérebros.

O humor da autora é surpreendentemente corrosivo, nessa que é a parte mais engraçada e erótica do livro. Os personagens, apesar do erro da troca dos corpos, vivem experiências incríveis e acabam redescobrindo a própria sexualidade e também a do outro.

Alguns exemplos: o cérebro de Roberto, que traía a mulher, Betânia, com a amante, Teresa, graças ao erro cirúrgico vai parar no corpo da amante. O cérebro de Enzo, um homem branco, rico e racista, vai parar no corpo de um homem negro e pobre, e acaba perdendo tudo e todos por causa de sua nova cor, odiando virar um simples objeto sexual de mulheres ricas e curiosas em conhecer um corpo negro e bem dotado. Há também as antigas amigas que se apaixonam loucamente, como no caso da Cristina, que ficou com o corpo de um homem, e se revela pra amiga Suzana, apresentando-se como Cristiano. Há ainda a mulher feia que, na troca, se torna um mulherão, mas depois dessa mudança os homens não a satisfazem como antes, quando ainda era uma baranga, então ela quer voltar a ser um pouco menos bonita – ironia do destino?

Todas essas inversões mostram como é delirante e assustador habitar um corpo estranho, estar na pele de outro ser humano, e nos fazem refletir sobre como a vida nunca está sob controle.

Me empolguei com a possibilidade de ser outra e me diverti com algumas situações constrangedoras, mas, pensando bem, tenho certeza de que não gostaria que isso acontecesse comigo… nem no presente nem no futuro. De tudo o que rola no romance, eu ainda prefiro ficar apenas com as reflexões que a leitura me provocou.

A classe mais baixa da pirâmide e até os excluídos continuam se ferrando nessa sociedade pseudo-perfeita futurista. E agora a máquina capitalista – o vilão sem caráter – faz os pobres mutilarem o próprio corpo, para desvalorizar a mercadoria e fugir da máfia que negocia com corpos sadios e belos. A fim de conseguir novos corpos, a empresa começa a medicar pessoas saudáveis, forçando-as a desenvolver transtornos psiquiátricos. Desse modo, a Para Sempre pode descaradamente, sem ética ou culpa, usurpar muitos corpos.

Percebemos então que a tecnologia é incrível, mas é pra poucos… bem poucos. Só para brancos e ricos: os privilegiados de sempre.

A certa altura do livro, a autora conclui que tudo evolui, menos o ser humano. Sonia faz um resumo de todo o conflito através dos próprios personagens, que se reúnem numa sessão de terapia de grupo, com a psicóloga Amanda. Participam as pessoas que sofreram com o erro da Para Sempre.

Deixo aqui um enigma: por que só a classe mais rica é acometida por uma doença fatal, a DM (que mata em apenas um ano), e precisa dos transplantes? Por que só os corpos pobres servem de receptores?! É claro que eu não vou contar, caro leitor. Você terá que descobrir sozinho, a partir das investigações do jornalista Robson do Vale.

Os personagens sacaneados com a troca de corpo estão tentando se adaptar e criar soluções para toda a confusão provocada pela famosa partida de futebol. Outros estão com a consciência pesada por terem adquirido um novo corpo, muitas vezes por meios ilícitos. Outros estão resignados, e outros, inconformados, esperando que a Para Sempre providencie uma cirurgia reparadora. Como a autora diz: “Vida que segue.”

Não deixem de ler esta narrativa erótica, caótica, raivosa e com humor espinafrado. Um ótimo exemplo de ficção científica brasileira de sexo e humor.

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Tereza Yamashita é ilustradora, designer e escritora, autora da coletânea de contos mundOmissíssimo.

O Teorema das Letras

André Carneiro
Editora Devir
168 páginas
Lançado em 2016

Este é o quinto livro de contos publicado pelo autor, o único de forma póstuma, já que André Carneiro faleceu em novembro de 2014.

Assim, a coletânea reúne a parte final dos seus escritos em prosa, o que mostra a vitalidade e longevidade de sua criação literária, iniciada em 1949 com o volume de poemas Ângulo e face. Também em termos de ficção científica, é o autor brasileiro que escreveu por mais tempo, já que seu primeiro livro do gênero, a coletânea Diário da nave perdida, é de 1963.

Mas O Teorema das Letras é mais do que o encerramento de uma carreira longa e reconhecida no campo da FC – no Brasil e no exterior – e na poesia. Suas cinco histórias exploram de forma arrojada, surpreendente e mesmo incômoda questões relativas à sempre problemática condição humana: a solidão, a dificuldade de conexão com o outro, a necessidade de expressar a liberdade como forma de afirmação de uma humanidade mais autêntica. Ainda mais se confrontada com súbitas e desnorteadoras mudanças sociais a partir de inovações tecnológicas ou a partir de regimes políticos não democráticos. Esta última questão foi particularmente aguda na vida de Carneiro, um libertário humanista em meio a uma sociedade tão conservadora como a brasileira.

Como bem observa Ramiro Giroldo no posfácio, O Teorema das Letras segue a tendência de seu livro anterior, a enorme coletânea de vinte e sete contos Confissões do inexplicável (2007), “com contos onde se intensificam a indefinição entre o real e o imaginário e a incerteza quanto ao narrado. A narrativa pode se reconstruir e se fazer outra de um momento a outro, abalando a certeza de que a mera observação dos fatos possa levar à compreensão deles – os próprios sentidos a decodificar o mundo ao redor são indignos de confiança (…), estamos em um terreno de incertezas e paradoxos.”

Que fique claro, portanto, que não estamos diante de uma prosa que prima pela convencionalidade, com respostas facilitadas para o leitor. Quem conhece André Carneiro de outras obras já parte deste princípio, mas mesmo assim ele não deixa de soar algo insólito nas nuances que vão se insinuando a cada frase de seus contos. Assim, exige-se do leitor uma postura aberta ao novo e ao improvável, uma expectativa de estranhamento sempre a postos. Porém, longe de tornar a leitura difícil, isso é um estímulo, um desafio intelectual frente às situações incertas e ambíguas apresentadas, muitas vezes, em cada história.

(…)

Como já disse, o livro se encerra com o pósfácio de Ramiro Giroldo, professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Em André Carneiro entre os quânticos da incerteza, ele, que também defendeu um mestrado sobre a distopia na obra de Carneiro, na verdade oferece bem mais do que um texto de encerramento do livro. Fazendo um balanço cronológico e, por meio dele, dos temas e características da obra de Carneiro, Giroldo realiza um trabalho de análise literária não menos que notável. Pelo conhecimento, pela sutileza de suas análises e pela contextualização da condição do autor frente à ficção científica, à poesia e à literatura brasileira. É, desde já, um dos trabalhos mais completos sobre um autor de ficção científica escrito em língua portuguesa: uma referência para quem for estudar, principalmente, a vida e a obra de André Carneiro e, por extensão, a ficção científica brasileira.

Sabe-se que na última década de sua vida Carneiro sofreu com problemas de saúde, especialmente na visão. Com glaucoma, tinha apenas dez por cento restantes e, mesmo assim, e por meio de aparelhos que amplificavam sua leitura, não esmoreceu. Continuou escrevendo, e com qualidade, e uma liberdade temática talvez ainda mais ousada. Isso só valoriza ainda mais O Teorema das Letras, uma obra que inspira e desafia, como poucas em nossa FC, a inteligência e a imaginação do leitor.

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Marcello Simão Branco é pesquisador de ficção científica e coeditor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica.

[Trecho da resenha publicada originalmente no Almanaque de Arte Fantástica Brasileira. Acesse a resenha completa clicando AQUI. ]

Distrito Federal

Luiz Bras
Patuá Editora
280 páginas
Lançado em 2014

Misto de romance de suspense com revistas de ficção científica, Distrito Federal não cumpre com as exigências de nenhum dos gêneros, e a rapsódia indica apenas que o livro, apesar de poder ser classificado com a pecha de romance, consegue, sem grandes alardes, atingir aquilo que os modernos atrasados defendem como inovação e os concursos literários como economia de recursos: o hibridismo das formas. De qualquer modo, seguiremos conformados à afirmação de que se trata de um romance e, mais que isso: é um livro que surge na hora certa, no lugar certo, e acerta todos os alvos a que se propõe. E acerta longe e na mosca, como em uma escola de tiro-ao-alvo para profetas.

Logo, DF é desde já um – clássico. E se nos adiantamos em afirmar sua importância (esperamos ser os primeiros a tê-lo feito) é para que quando desembarcarem na terra, no intuito de estudar nossa civilização depois do apocalipse nuclear, os antropólogos marcianos notem que, pelo menos, algumas vozes apaixonadas se levantaram a favor desse romance quase sumariamente ignorado quando de seu lançamento (2014). O que já era de se esperar, afinal de contas, é característica dos covardes não ler nem falar sobre os corajosos. Esse, afinal, é o acordo entre as ovelhas: “se não falarmos do lobo, será como se o lobo não existisse”. Mas o lobo existe, assim como existiram resenhas que trataram sobre o livro com paixão e propriedade. O que estamos dizendo aqui é que em torno de DF não houve todo o barulho, todo o estardalhaço, que a obra merecia. Mas sobre isso trataremos mais adiante.

Por ora, a pergunta formulada por Gary Snyder: “é culpa do coiote que exista morte no mundo?” Se a resposta for não, sapecamos outra: e que lugar melhor que Brasília para assassinos em série de políticos corruptos laborarem? Nada mais óbvio que essa ideia que, de tão óbvia, ficamos indagando por que ninguém pensou nisso antes. Claro que alguém pensou, faltando apenas as glândulas testiculares necessárias para dar livre curso a essa imaginação maravilhosa. O fato é que corrupção gera violência e, em uma sociedade corrupta e violenta até o talo, o assassinato de políticos corruptos se torna uma das belas-artes sonhadas por De Quincey. Então podemos dizer que o autor de DF é um De Quincey leitor de Philip K Dick?

Sim, mas vamos devagar, pois essa procissão é a pé.

Longe dos falsos dramas da consciência dos bem-intencionados, a violência gráfica descrita em DF é RPG puro: precisa, imagética, colorida. No livro, aliás, Distrito Federal é também um jogo de RPG. Jogos dentro do jogo, portanto, como uma cebola lisérgica em 3D. O livro nos presenteia com o acesso dirigido à mente de um assassino e o jogral com o eco de vozes narrativas (a agência de notícias, a brain-net) é apenas um dos labirintos desse jogo. O centro é a voz de uma narradora que se dirige a um dos personagens e que depois se dilui na fluidez do discurso em segunda pessoa (algo pouco usual na ficção, onde superabundam os discursos em primeira e terceira) até se estilhaçar no decorrer da leitura, sem com isso confundir o leitor. É porque o tom permanece igual em praticamente todo o livro: frases curtas, secas, carregadas de objetividade com volts de lirismo em certas partes. É que o discurso em segunda pessoa (dificílimo de ser manejado) tem essa função de colocar o leitor dentro do livro, dando a impressão de que a voz se dirige diretamente para ele.

A democracia é um jogo tanto quanto a literatura. O assassino caça corruptos pelo cheiro porque eles fedem (alguém seria capaz de discordar?) e quando o bom senso do leitor implora que se aguarde a lei vir punir os safados, logo vem à lembrança do cidadão que lê que isso não acontecerá, pois os gângsteres profissionais criaram as leis para proteger a si mesmos. Assim, o discurso que defende a matança logo ganha nossa adesão por cinismo: concordamos com ele – e nos assustamos por concordarmos, o que é um bom sinal, e é o único.

Além desse assassino, outros personagens míticos acompanham o banho de sangue: o curupira e o saci (que incorporam nas pessoas e saem matando os facínoras de gravata), os exus, as cucas e os oguns, são apenas alguns exemplos de personagens do folclore tradicional ressuscitados em DF para participar do pesadelo de um futuro que é agora. A metáfora é a das forças da Natureza se levantando contra o avanço do capitalismo corrupto que a dilapida e destrói, mas é mais que isso. Conversando sobre o livro com a poeta Adriane Garcia, ela me alertou para o fato de que DF, na verdade, é um livro que nos devolve um país na ficção. Nesse sentido, trata-se de um romance histórico, de identificação nacional, a exemplo do premonitório Caramuru, escrito pelo agostiniano José de Santa Rita Durão, ou do Iracema, de José de Alencar, com a diferença de que em DF os nativos são ciborgues e andam bem mais armados.

DF é um Mad Max com boitatás.

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Tadeu Sarmento é escritor, autor de Associação Robert Walser para sósias anônimos (Prêmio Pernambuco de Literatura), Um carro capota na lua (Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura) e O cometa é um sol que não deu certo (Prêmio Barco a Vapor), entre outros.

[ Trecho da resenha publicada originalmente na revista Mallarmargens. Acesse a resenha completa clicando AQUI. ]

A Nova América

Pedro Sasse
Editora Pará.grafo
348 páginas
Lançado em 2021

Em seu romance de estreia, A Nova América, Pedro Sasse, carioca graduado em Letras pela UERJ, Mestre em Letras também pela UERJ e Doutor em Estudos Literários pela UFF, nos transporta para um cenário futuro que nos parecerá estranho e familiar ao mesmo tempo, numa narrativa que mescla a ficção científica, o distópico e o apocalíptico. Embora muitos considerem que os dois últimos são subgêneros do primeiro, nessas páginas poderemos ver as especificidades de cada um. Aqueles que são fãs desses gêneros poderão identificar as influências de H.G. Wells, Ursula Le Guin, Octavia Butler, Ignacio Loyola Brandão, Phillip K Dick e Aldous Huxley, assim como referências a Black Mirror e Mad Max, dentre outros na narrativa. A intertextualidade evidenciada nessas pequenas homenagens não interfere em sua originalidade e atualidade.

É interessante refletir que a ficção científica (FC) é um gênero em permanente atualização e diálogo com outros gêneros. Nesse sentido, para a acadêmica Raffaella Baccolini: “a noção de um gênero impuro, um gênero permeável cujas fronteiras permitem a contaminação por outros gêneros, representa a resistência à ideologia hegemônica e renova a natureza resistente da ficção científica”. Ao escrever FC a partir do sul global, na periferia do capitalismo, essa ficção ganha camadas de complexidade e nuances, visto que o contexto em que a obra nasce e onde a trama transcorre é bastante distinto dos países hegemônicos do norte global onde esse gênero floresceu.

Sasse nos apresenta às inovações tecnológicas surpreendentes e perturbadoras em uma cidade subterrânea com rígidas formas de controle social, ao passo que também transitamos na superfície por uma sociedade desagregada e desordenada, onde os retrocessos tecnológicos, políticos e sociais são notórios. A obra se preocupa com questões do Brasil contemporâneo, porém vai muito além deste, retratando igualmente o entusiasmo e a angústia com as redes sociais, com os gadgets ao nosso redor, com instabilidade política, assimetrias sociais arraigadas e com aspectos do desenvolvimento tecnológico que possibilitam intensificar a exploração do trabalho e coisificar uma gama de arenas da vida.

O romance publicado pela editora Pará.grafo conta com uma capa em preto, azul e vermelho, onde vemos um teto com algumas luzes acesas e uma silhueta feminina de costas, olhando para uma escada, que nos coloca a dúvida: o que nos aguarda subindo os degraus? O livro possui sete capítulos além do prólogo, totalizando 344 páginas. As belas ilustrações em preto e branco entre esses capítulos feitas por Renan Fanelli, assim como a da capa, nos permitem um primeiro vislumbre ao mundo que é ricamente descrito em suas páginas, com suas nuances e complexidades. Esse futuro brasileiro, no entanto, não é estático ou homogêneo.

Por um lado, parte da trama se passa no subterrâneo, a cidade chamada Dome, onde tudo pode ser comprado com bitcoins, as telas com propagandas luminosas estão em todos os lugares, é disseminado o uso da goma de mascar Gumlax para tranquilizar os habitantes, os cidadãos se avaliam mutuamente e todos contam com uma assistente virtual personalizada. Por outro lado, na superfície há cidades destruídas ou pilhadas, milícias, pequenos grupos de sobreviventes lutando por sua subsistência, campos de refugiados, fome, doença e natureza tomando conta dos escombros daquilo que restou depois que a escassez e o conflito armado avançaram sobre as terras onde um dia havia palmeiras em que cantavam sabiás.

(…)

Ao que parece, o romance A Nova América nos sinaliza para as tensões utópicas/distópicas presentes no continente que já inspirou tantos desejos de fuga, mas que foi/é expropriado/violentado, território que foi devastado, porém resiliente, onde o mundo acaba e recomeça, a todo tempo.

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Por Alice Pereira, Doutora em Estudos Literários pela UFF.

[ Trecho da resenha publicada originalmente no periódico acadêmico dedicado ao fantástico Abusões, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Acesse a resenha completa clicando AQUI. ]