Luiz Bras
Editora Prumo
320 páginas
Lançado em 2012
É o fim do mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
T. S. Eliot, em Os homens ocos
Lembra daquele maluco na esquina com um cartaz anunciando que o fim do mundo está próximo? Eu nunca vi um, na verdade. Mas muitas vezes encontro as mensagens com o anúncio fatal na caixa do correio. Há anos não recebo uma carta, mas essas mensagens e propagandas de telepizza continuam, fiéis como o mau hálito, como dizia Fontanarosa.
Entre os anúncios de fim de mundo, os mais chatos são os religiosos, acho. Varia a religião, o fim nunca, nem as pechinchas que oferecem pra vida após a morte, nem o ouro necessário pra amenizar a vida do lado de cá dos profetas. O homem peca, Deus pune. Estamos nas mãos de uma espécie de síndico meio surtado, não só pelas festinhas fora de hora. Um prozac diário poderia evitar, ou pelo menos amenizar, o fim do mundo.
A ficção científica deitou, rolou e abusou da ameaça nuclear e da culpa comunista. Numa enxurrada de mesmices, houve um caso raro de fantasia onanista: Robert A. Heinlein arruma uma guerra atômica pra que seu herói, um bom patriota da guerra fria, isto é, paranoico ao cubo, fique sozinho no mundo com a noiva do filho, no abrigo que construiu. Mas, claro, também houve alguns belos livros. Meus preferidos são, nesta ordem: O caçador de androides (Francisco Alves, 1980), de Philip K. Dick; Um cântico para Leibowitz (Melhoramentos, 1982), de Walter M. Miller Jr.; O mundo dos túmulos (Edição “Livros do Brasil” Lisboa, sem data), de Clifford D. Simak; e A última esperança da Terra (Francisco Alves, 1984), de Richard Matheson. Há outros menos votados, mas deixe pra lá.
O ponto comum entre esses livros é que Deus não meteu o bedelho. O fim é consequência da ação do rei da criação: sua ganância, sua estupidez, sua irracionalidade. Não dá pra dizer que não tem lógica, dá?
Todos eles são famosos, menos o de Clifford D. Simak – injustamente, apesar do talento de Simak não estar à altura da ideia, uma sacada que deixou Ray Bradbury chupando o dedo, e a mim também, confesso. Por isso, umas palavrinhas: o planeta Terra é um cemitério com a grama cortada milimetricamente. Houve uma guerra devastadora e as pessoas fugiram para o espaço. Mas muitas, com saudade, pagam para ser enterradas aqui. Há perigo para os coveiros: as máquinas de destruição ainda estão em órbita e com pontaria certeira.
Agora, que tal um apocalipse sem motivo? Conheço apenas um caso: Sozinho no deserto extremo, de Luiz Bras. Um dia o mundo amanhece vazio, fora uma meia dúzia de pessoas, nenhuma parente de Noé, começando pelo personagem central, um publicitário imaturo, confuso, ressentido, desonesto. Não há uma razão moral para o que ocorreu. Nem se trata de uma fantasia escapista, do tipo resolver os problemas ecológicos ou ficar com um harém de vizinhas gostosas – o inferno continua, com outra cara, mas igual. Se não se sabe por que, nem como, o fim se iguala ao surgimento do mundo. Durma-se com um silêncio desses.
Este é o ponto, se não comi mosca entre os fatos e os delírios narrados, às vezes indistinguíveis. A realidade não parece ser o forte do publicitário, do que o autor pode ter se aproveitado. Enfim, se é isso mesmo, Luiz Bras dobrou a aposta. Cabe a novos autores de ficção científica aceitarem o jogo.
+ + +
Ernani Ssó é escritor e tradutor, com mais de quinze livros publicados, para o público infantil e adulto. Recebeu o Prêmio Cyro Martins de Melhor Romance de 1996, com O emblema da sombra. Em 2012, traduziu o Dom Quixote, de Cervantes, para a Companhia das Letras.