A Nova América

Pedro Sasse
Editora Pará.grafo
348 páginas
Lançado em 2021

Em seu romance de estreia, A Nova América, Pedro Sasse, carioca graduado em Letras pela UERJ, Mestre em Letras também pela UERJ e Doutor em Estudos Literários pela UFF, nos transporta para um cenário futuro que nos parecerá estranho e familiar ao mesmo tempo, numa narrativa que mescla a ficção científica, o distópico e o apocalíptico. Embora muitos considerem que os dois últimos são subgêneros do primeiro, nessas páginas poderemos ver as especificidades de cada um. Aqueles que são fãs desses gêneros poderão identificar as influências de H.G. Wells, Ursula Le Guin, Octavia Butler, Ignacio Loyola Brandão, Phillip K Dick e Aldous Huxley, assim como referências a Black Mirror e Mad Max, dentre outros na narrativa. A intertextualidade evidenciada nessas pequenas homenagens não interfere em sua originalidade e atualidade.

É interessante refletir que a ficção científica (FC) é um gênero em permanente atualização e diálogo com outros gêneros. Nesse sentido, para a acadêmica Raffaella Baccolini: “a noção de um gênero impuro, um gênero permeável cujas fronteiras permitem a contaminação por outros gêneros, representa a resistência à ideologia hegemônica e renova a natureza resistente da ficção científica”. Ao escrever FC a partir do sul global, na periferia do capitalismo, essa ficção ganha camadas de complexidade e nuances, visto que o contexto em que a obra nasce e onde a trama transcorre é bastante distinto dos países hegemônicos do norte global onde esse gênero floresceu.

Sasse nos apresenta às inovações tecnológicas surpreendentes e perturbadoras em uma cidade subterrânea com rígidas formas de controle social, ao passo que também transitamos na superfície por uma sociedade desagregada e desordenada, onde os retrocessos tecnológicos, políticos e sociais são notórios. A obra se preocupa com questões do Brasil contemporâneo, porém vai muito além deste, retratando igualmente o entusiasmo e a angústia com as redes sociais, com os gadgets ao nosso redor, com instabilidade política, assimetrias sociais arraigadas e com aspectos do desenvolvimento tecnológico que possibilitam intensificar a exploração do trabalho e coisificar uma gama de arenas da vida.

O romance publicado pela editora Pará.grafo conta com uma capa em preto, azul e vermelho, onde vemos um teto com algumas luzes acesas e uma silhueta feminina de costas, olhando para uma escada, que nos coloca a dúvida: o que nos aguarda subindo os degraus? O livro possui sete capítulos além do prólogo, totalizando 344 páginas. As belas ilustrações em preto e branco entre esses capítulos feitas por Renan Fanelli, assim como a da capa, nos permitem um primeiro vislumbre ao mundo que é ricamente descrito em suas páginas, com suas nuances e complexidades. Esse futuro brasileiro, no entanto, não é estático ou homogêneo.

Por um lado, parte da trama se passa no subterrâneo, a cidade chamada Dome, onde tudo pode ser comprado com bitcoins, as telas com propagandas luminosas estão em todos os lugares, é disseminado o uso da goma de mascar Gumlax para tranquilizar os habitantes, os cidadãos se avaliam mutuamente e todos contam com uma assistente virtual personalizada. Por outro lado, na superfície há cidades destruídas ou pilhadas, milícias, pequenos grupos de sobreviventes lutando por sua subsistência, campos de refugiados, fome, doença e natureza tomando conta dos escombros daquilo que restou depois que a escassez e o conflito armado avançaram sobre as terras onde um dia havia palmeiras em que cantavam sabiás.

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Ao que parece, o romance A Nova América nos sinaliza para as tensões utópicas/distópicas presentes no continente que já inspirou tantos desejos de fuga, mas que foi/é expropriado/violentado, território que foi devastado, porém resiliente, onde o mundo acaba e recomeça, a todo tempo.

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Por Alice Pereira, Doutora em Estudos Literários pela UFF.

[ Trecho da resenha publicada originalmente no periódico acadêmico dedicado ao fantástico Abusões, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Acesse a resenha completa clicando AQUI. ]