Apócrifos do futuro

Romy Schinzare
Patuá Editora
154 páginas
Lançado em 2022

Romy Schinzare se lançou no campo da ficção científica e fantasia com Mandrágora (2017), seu primeiro livro de contos, publicado pela Patuá Editora. Participou de várias antologias dessa editora, publicando por ela a sua segunda coletânea, Contos reversos (2018). Com este Apócrifos do futuro ela se integra à mais prestigiosa coleção de FC brasileira da atualidade, Futuro Infinito, coordenada por Luiz Bras.

Apócrifos do Futuro confirma Schinzare como uma contista incomum que emprega temas e elementos consagrados da ficção científica e fantasia para fins muito particulares. Assim como André Carneiro, o mais longevo escritor do gênero no Brasil, Schinzare subordina as convenções da FC a uma abordagem pessoal e humanista, e a um estilo subjetivo que admite elipses e construções frasais surpreendentes. Também como Carneiro, ela atenua as fronteiras da FC como gênero popular, e da respeitada tradição do conto fantástico.

Nesse mesmo sentido, realiza um malabarismo singular entre os lugares-comuns da FC e as estruturas narrativas que subvertem o thriller e o suspense. Inclusive, oferecendo conclusões que se esquivam sutilmente do final retumbante e convidam mais à reflexão e à atmosfera psicológica, do que a uma emoção superficial.

A preocupação com questões sociais se abre para uma bem-vinda influência do movimento Literatura Marginal, de Ferréz – vista no conto de horror “O Chamado”. Ao mesmo tempo, e de modo particularmente adequado à tônica da cultura atual, as quinze narrativas reunidas convidam a nossa leitura atenta a enxergar, nas entrelinhas, um retrato irônico da condição feminina.

Desse modo, temos na distópica narrativa de “A Rainha”, uma guerrilha subterrânea lançando-se contra o poder da AgroElite. Em “Aquária”, alienígenas das luas oceânicas de Júpiter e Saturno, infiltrados na Terra, recrutam uma jovem para agir por eles, deixando claro que não aceitarão interferência e ameaçando com um cataclísmico ataque preventivo. “Buraco de Minhoca II” enfoca o tema da FC de uma expedição ao fenômeno teorizado pela física e representado no título, para falar de crianças superdotadas e transcendência. “Carmilla” soa como uma narrativa folclórica europeia, envolvendo vampiros, em uma ficção mais atmosférica.

“Diana” é outro exemplo da abordagem internacionalista da autora e sua exploração de enredos “B”: robôs femininos (fembots) empregados em Hollywood, em contexto de horror, são instigados à revolta pelas ações de uma amazona alienígena. Inquietante, “Zayn” é uma fantasia contemporânea narrada em primeira pessoa, na qual pulsam as transformações do corpo da mulher, e do seu lugar social. “Cubo do Destino” trata de um estranho jogo capaz de mudar a vida do jogador. “Habitantes dos Abismos” apresenta uma revolta de robôs contra os humanos de outro mundo. “Híbridos” investe em um cenário brasileiro e contemporâneo, para falar da revolta das criaturas marinhas. “Os Robôs de Marte II” explora outra visão de uma sociedade dividida.

Horror B também em está em “Quando a Música Tocar”, em que uma contaminação antropófaga se propaga por uma melodia, e o enredo de “Shelby” remete aos filmes B de corridas mortais.

Finalmente, “Terremoto” e “Valparaíso” retornam ao Brasil com enfoques muito distintos, fechando uma coletânea variada e singular. Futuro Infinito é o espaço ideal para uma escritora que discute revoluções e se dispõe a subverter formatos e gêneros.

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Roberto de Sousa Causo é ficcionista e pesquisador, autor de Brasa 2000 e mais ficção científica, entre outros livros.